Estudo de Caso: Estratégias em Caso de Dolo Eventual no Júri

Publicado em
17 de out. de 2025
Categorias
Direito
Introdução
Este estudo de caso analisa um julgamento que reacende uma das discussões mais complexas do direito penal: a fronteira entre a culpa consciente e o dolo eventual em crimes de trânsito com resultado morte.
Nos tribunais, essa distinção tem impacto direto na vida do acusado. Enquanto a culpa consciente implica a previsão do resultado com a confiança de que ele não ocorrerá, o dolo eventual envolve a aceitação de que o resultado pode acontecer, ainda que o agente não o deseje diretamente. Em casos de acidentes de trânsito, essa linha tênue costuma ser o principal ponto de controvérsia, pois o comportamento de quem dirige sob efeito de álcool, em alta velocidade ou de forma imprudente, desafia a interpretação jurídica entre o erro e a assunção de risco.
A dificuldade reside em demonstrar ao júri se o agente apenas previu o possível resultado, acreditando que poderia evitá-lo, ou se, de fato, aceitou o risco de produzi-lo. No plenário, essa distinção teórica precisa ser traduzida em narrativa compreensível, o que exige estratégia, método e clareza na exposição dos fatos.
O caso analisado foi conduzido pelo advogado Rodrigo Faucz, e mostra como a organização estratégica das provas e o uso de recursos visuais contribuíram para fortalecer a argumentação defensiva de forma técnica e precisa.

Imagem de @priscillakavalli, Instagram.
Versões em contraste
O réu foi acusado de homicídio na direção de veículo automotor após um acidente que resultou na morte de uma motociclista. O episódio gerou interpretações opostas sobre o que de fato aconteceu.
Para o Ministério Público, ao conduzir sob influência de álcool e em velocidade acima do permitido, o motorista assumiu o risco de causar o resultado fatal, caracterizando dolo eventual, isto é, quando o agente prevê a possibilidade do resultado e ainda assim aceita que ele ocorra.
Já a defesa apresentou outra leitura. O acusado admitiu ter ingerido bebida alcoólica, mas negou a condução temerária. Reconheceu-se, com base no laudo pericial, que o veículo trafegava a aproximadamente 93 km/h, contudo, sustentou-se que a colisão ocorreu porque a vítima realizou uma conversão repentina à esquerda, sem sinalizar, interceptando sua trajetória.
O ponto central do caso era demonstrar que não houve aceitação consciente do risco, mas apenas um erro de avaliação diante das circunstâncias do acidente, caracterizando crime culposo e afastando a configuração do dolo eventual.
Em casos como esse, a dificuldade não está apenas nas provas, mas na forma de apresentá-las ao júri, de modo que os jurados compreendam a diferença entre prever e aceitar o resultado. Foi nesse contexto que a defesa estruturou uma estratégia visual, em conjunto com a equipe da Lawtta, para reforçar o raciocínio técnico e tornar os elementos fáticos mais claros e compreensíveis.
O desafio cognitivo do Júri
Julgar um crime de trânsito com resultado morte envolve um problema de tradução: converter conceitos abstratos como "assumir o risco" ou "prever o resultado" em imagens mentais compreensíveis. Como já exploramos em artigo anterior, a forma como informações são apresentadas impacta diretamente a memória, a atenção e a decisão dos jurados.
Além disso, lidar com um acidente fatal, amplamente repercutido e percebido inicialmente como um evento trágico, coloca uma pressão extra sobre a narrativa. No plenário, contudo, a análise detalhada revelou que o desfecho não foi resultado de um único fator, mas sim de ações que envolveram ambos os participantes, mostrando a complexidade da situação.
Quando o raciocínio depende apenas da palavra falada, a compreensão do jurado se fragmenta, especialmente em temas técnicos como:
Distância percorrida
Velocidade no momento do impacto
Ângulo de colisão
Campo de visão dos envolvidos
Essa fragmentação cria uma lacuna entre o que precisa ser compreendido e o que efetivamente é assimilado pelos jurados. A ausência de clareza visual mantém conceitos técnicos em território abstrato, dificultando a formação de um convencimento sólido e fundamentado sobre os fatos.
Reconstituição 3D: traduzindo dados em visualização
Nesse caso, a reconstituição 3D reproduziu a dinâmica do acidente, baseada nos elementos dos autos:
Posição das motocicletas
Ações da vítima
Campo de visão
Distância percorrida
Relatos testemunhais
Um dos aspectos explorados visualmente foi a autocolocação em risco, conceito que permite discutir o grau de contribuição da vítima no resultado. A defesa demonstrou que, no instante da colisão, a manobra inesperada da motociclista ao adentrar a pista contrária rompeu o nexo causal direto entre a conduta do motorista e o resultado fatal. Essa construção foi fundamental para sustentar a ausência de dolo e a caracterização da culpa consciente.
Por que isso importa?
Esse recurso é especialmente importante em casos de acidente de trânsito porque traduz elementos técnicos e espaciais em linguagem visual compreensível. Distâncias, velocidades, ângulos de visão e trajetórias se tornam tangíveis, permitindo que jurados avaliem a viabilidade das versões apresentadas sem depender exclusivamente de descrições verbais.
O que antes dependeria de longas explicações se torna visível em segundos, reduzindo a margem de ambiguidade cognitiva.
Infografia Jurídica: estratégia em formato visual
Além da reconstituição, foi desenvolvida infografia jurídica para apoiar a sustentação oral. O material pode organizar visualmente conceitos doutrinários e suas distinções técnicas, facilitando a compreensão de categorias abstratas que estruturam o raciocínio penal.

A função da infografia é tornar acessível o que normalmente permanece abstrato. O diagrama funciona como um mapa conceitual que:
Orienta o raciocínio
Reduz a carga cognitiva
Permite que a argumentação oral se desenvolva sobre uma base visual compartilhada
Assim, a defesa sustentou sua tese com apoio visual e jurisprudencial, mantendo precisão técnica sem depender exclusivamente da oralidade. A infografia permitiu que jurados acompanhassem o raciocínio jurídico de forma estruturada, tornando o argumento mais acessível sem perder sua profundidade.

Um voto fez a diferença
O júri reconheceu a tese defensiva por 4 votos a 3, desclassificando a conduta para crime culposo e afastando a imputação de dolo eventual.
A diferença de um único voto comprova a complexidade da discussão: diante da divergência entre as teses apresentadas, a compreensão técnica dos fatos pelos jurados se torna decisiva. Foi justamente nessa margem estreita que os recursos visuais mostraram sua relevância, tornando compreensível o que dificilmente seria assimilado apenas pela oralidade.
Nesse contexto, a clareza com que as informações técnicas são apresentadas deixa de ser apenas um diferencial e passa a ser determinante para a formação do convencimento. O que antes dependeria de abstrações verbais tornou-se visível, compreensível e, ao final, decisivo.
A dimensão ética da visualização
A imagem, quando usada de modo responsável, não simplifica o direito. Ela o explicita. No plenário, a função de uma reconstituição ou infografia não é persuadir pela emoção, mas sistematizar o conteúdo probatório.
A clareza visual aprimora o contraditório porque torna as provas mais compreensíveis para os jurados. Quando o jurado compreende o que está sendo julgado, a decisão tende a ser mais consciente e menos influenciada por impressões subjetivas.
Por isso, cada elemento visual precisa ser ancorado em dados dos autos, respeitando veracidade e proporcionalidade da representação.
A atuação da Lawtta na Produção Visual de plenário
A produção de júri desenvolvida pela Lawtta nesse caso integrou duas frentes complementares:
Reconstituição 3D: reprodução fiel da dinâmica do acidente a partir de dados periciais, croquis oficiais e depoimentos, permitindo a visualização precisa de trajetórias, velocidades, distâncias e pontos de impacto em formato tridimensional
Infografia jurídica: organização e aprimoramento de elementos técnicos do processo, como laudos periciais, registros fotográficos, diagramas de acidentes, mapas e outras evidências, para que sejam representados de maneira visual e didática
A equipe multidisciplinar da Lawtta trabalhou em estreita colaboração com o advogado responsável durante todo o processo. Cada decisão visual foi tomada em conjunto para garantir que a representação servisse à estratégia de defesa sem sugerir conclusões que as provas não sustentassem.
Essa abordagem está alinhada com os princípios do Visual Law aplicado ao Tribunal do Júri, como explicam o sócio-fundador da Lawtta, Andrews Bianchi, em colaboração com o advogado Rodrigo Faucz e a advogada Paloma Copetti, no artigo Visual Law no Tribunal do Júri: como os recursos auxiliam os jurados, publicado no ConJur. Os autores demonstram como recursos visuais podem auxiliar significativamente a compreensão dos jurados sobre casos complexos, facilitando o acesso à justiça e a tomada de decisão fundamentada.
Considerações finais
Casos como esse demonstram que o futuro da advocacia criminal passa pela clareza visual. Não se trata de substituir o argumento oral, mas de aprimorá-lo com elementos que favoreçam a compreensão dos fatos e dos conceitos. Quando bem utilizados, recursos como reconstituições e infografias transformam o plenário em espaço de entendimento racional, não apenas de impacto emocional.
A visualização jurídica é um método de pensamento. Ela exige técnica, estratégia e domínio da narrativa factual, mas devolve algo essencial ao julgamento justo: a possibilidade de compreender o que se julga.
Na Lawtta, a forma é tratada como ciência. Nossa atuação vai além da produção de materiais visuais: adotamos uma abordagem multidisciplinar que amplia o alcance estratégico da comunicação. Não apenas tornamos informações visíveis, mas asseguramos que sejam transmitidas da maneira mais clara e persuasiva possível. Cada detalhe importa quando há método, inteligência e fundamentos técnicos aplicados para potencializar a performance do advogado.
Se você também acredita que a forma faz toda a diferença, entre em contato conosco e descubra como nossas soluções podem transformar seu caso.
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